Sobre os protestos no Haití
*Imagem de capa: Popular Resistence.
Estou acompanhando os protestos que ocorrem no Haití em torno da reivindicação popular para a deposição do atual governo e em rechaço ao pedido do mesmo em solicitar uma nova intervenção ‘humanitária’ no país.
A operação de 2004, a MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haití), liderada formalmente pelas tropas militares brasileiras, na verdade consolidou o golpe de Estado contra o governo popular de Jean Bertrand-Aristide.
Junto com as intervenções decorrentes dos terremotos da década de 2010 sob uma aparente máscara de ajuda, resultou numa sensível na piora das condições de vida da população. O assassinato do Presidente Jovenel Moïse em julho de 2021 levou a uma explosão da violência e a uma maior escassez de produtos básicos decorrente do controle de regiões inteiras por gangues.
Em vista do escalar da crise social que está ocorrendo no país sob o risco de ocorrer mais uma rodada de repressão social extrema e prolongada, eu resolvi compilar algumas notícias seguidas de comentários para melhor contextualizar a conjuntura recente do Haití.
A primeira, da jornalista Helaine Tavares, do Instituto de Estudos Latinoamericanos (IELA), destaca que as manifestações da população estão pedindo a renúncia do Primeiro Ministro Ariel Henry, acusado de facilitar as ondas de violências pelas suas relações com a Gangue dos 9 (G9), que bloqueia o acesso da população ao combustível e outros bens de consumo, o que acaba por facilitar o processo da intervenção imperialista no país.
https://iela.ufsc.br/noticia/haiti-povo-em-luta-governo-titere
Na nota publicada pelo Diário da Causa Operária, o ponto a ser destacado é que o imperialismo está se utilizando justamente da situação induzida de violência social como desculpa para fazer mais uma intervenção militar.
https://causaoperaria.org.br/2022/abaixo-a-nova-intervencao-militar-dos-eua-no-haiti/
No artigo do Primera Línea Revolucionária América Latina (https://t.me/PLRAmericaLatina/2940) é descrito como o governo Moïse estava em conluio com o imperialismo e piorou muito a vida da população a partir de 2018, quando eclodiram as manifestações contra as imposições de austeridade do governo.
‘Según datos de Naciones Unidas, el 65% de la población haitiana vive por debajo del índice oficial de pobreza, el desempleo afecta al 80% de la fuerza laboral y más del 90% de la población casi no tiene acceso a la atención médica’.
A análise é complementada com diversos vídeos de redes sociais ilustrando a situação de caos social e de protestos por parte da população contra o PM Henry como da intervenção imperialista.
https://plramericalatina.com/index.php/2022/10/18/haiti-de-modelo-de-explotacion-capitalista-a-almacigo-de-luchas/
O conjunto de análises supracitado está relacionado com um contexto geopolítico que podemos observar a partir das declarações oficiais dos governos da região. Em muitas situações, vemos a continuidade da mentalidade colonial e de subserviência ao imperialismo. A exemplo do presidente da Guiana, Irfaan Ali, dando declarações de apoio a intervenção imperialista no Haití.
https://demerarawaves.com/2022/10/18/guyana-ready-to-fully-support-haiti/
Outro exemplo é o caso de Bahamas, onde o Ministro da Defesa do país, Wayne Muroe, declarou que caso necessário, tropas do país serão enviadas ao Haití para ‘apoiar’ a operação imperialista da ONU.
Esses interesses se coadunam com o da mídia internacional golpista, refletindo, por sua vez, os interesses da elite financeira que pretende explorar as riquezas minerais do Haití, manter o país no caos social e impedir uma maior integração na América Central. Aqui vemos como a expressão das intenções são transparentes.
Nas imagens seguintes vemos a chegada de aeronaves militares canadenses e ianques com equipamentos militares ao governo haitiano.




É perceptível, também, que as gangues possuem armamentos caros, pesados e importados dos EUA, como o exemplo do vídeo abaixo.
Um ponto a ser destacado é a declaração do enviado da China à ONU, mencionando a necessidade de sancionar os membros da G9, visando estrangular o fluxo de armas e financiamento para as gangues instaladas pelo imperialismo no país.
É uma posição muito importante, considerando que anteriormente o próprio Haití tenha sido utilizado por suas elites controladas pelo império para provocar a China, realizando visitas diplomáticas a Taiwan.

O Vice-Presidente permanente da ONU e enviado da Rússia, Dmitry Polyansky, fez uma declaração pública demonstrando preocupação sobre a necessidade de envio de blindados canadenses e ianques além de tropas para o Haití.
https://tass.com/politics/1524055
Retornando ao contexto que catalisou a situação recente de desestabilização do país, vejo que devemos olhar para os motivos do assassinato de Moïse. Ainda que alguns dos artigos anteriores citados apontaram corretamente o papel de Jovenel Moïse como capacho do imperialismo, nenhum deles respondem o porquê de seu assassinato.
Faltaria entender, também, quais seriam os motivos do imperialismo em tomar tal decisão. Como sabemos, esse processo de descarte ocorre em momentos no qual os capachos não tem mais serventia, ou quando estão tendendo a tomar uma direção que vá contra os interesses estabelecidos.
Então, quais seriam esses motivos?
Uma análise interessante vem sendo desenvolvida por Thiago Espíndula em seu canal do Verdade Concreta desde o assassinato de Moïse. Nessa síntese mais recente é abordada a questão potencial de uma severa repressão ao povo haitiano por parte das tropas da ONU. Outro ponto que é lançado luz foi a possibilidade que o então mandatário haitiano estava tentando se desvencilhar das correntes do império estabelecendo diálogos e relações diplomáticas com outros países fora do eixo norte atlantista.
Explorando melhor essa linha, é fato que Moïse estava procurando fortalecer relações diplomáticas com países como Rússia, Turquia e Venezuela. Temos como referência a importante análise de Ezili Dantò, advogado e ativista haitiano, explanando que em 2021, Moïse estava tentando permanecer no poder por meio de uma Constituinte, de forma a proceder com uma autoanistia em relação aos crimes cometidos no país a mando do império.
Com a recusa de apoio por parte de Biden, Moïse procurou conversar com outros países, com destaque para a obtenção de sete acordos diplomáticos com a Turquia e a tentativa de reestabelecer relações com a Venezuela, mesmo após o escândalo do PetroCaribe, onde Moïse era um dos beneficiários direto do desvio de verbas para a melhoria da infraestrutura de energia do país.
Esse desvio ocorria via a sua organização, o Partido Haitiano Tet Kale – PHTK, ou pela empresa de energia na qual era sócio, a Agritrans – que na verdade era uma estratégia do império em influenciar as elites compradoras para atrapalhar os planos de Hugo Chávez para fazer a integração energética com os países da América Central.
O magnicídio de Moïse ocorreu um mês após aceitar a carta de nomeação do então novo embaixador russo no Haití.
https://www.globalresearch.ca/western-barbarians-role-russia-turkey-venezuela-have-played-hasten-jovenel-assassination/5750436
Também havia interpretações sobre os supostos questionamentos do Moïse em relação as ‘vacinas’ anti covid. Ao que tudo indica, ele desconfiava das eficácia dos produtos e não havia aceitado os contratos da OMS para a introdução das injeções no país.
https://noqreport.com/2021/07/13/mounting-evidence-shows-haitian-president-moise-was-assassinated-before-blowing-whistle-on-vaccines/
Em suma, todos esses pontos acima são possíveis motivos pelos quais a elite do império atlantista tenha decidido pelo seu assassinato via mercenários colombianos e ianques.
Os protestos que estavam ocorrendo desde 2018 eram contra o governo, mas não a favor da intervenção ‘humanitária’. O povo haitiano estava em meio a construção de uma luta sociopolítica, seja em torno da perspectiva pragmática de aliança com uma liderança tentando sobreviver, seja entrando em conflito com a mesma. A intervenção imperialista direta e indireta de 2021 retardou o processo de luta do povo haitiano contra suas elites.
Por isso os protestos contra a invasão travestida de operação humanitária por parte do povo haitiano continua se intensificando nos últimos dias.

Devemos acompanhar com atenção os movimentos do Haití e denunciar qualquer tipo de intervenção imperialista contra a luta do povo haitiano.
Joaquim.